sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A penitência

Dois meses passaram e apesar de isso significar tão pouco na escala do tempo e da minha vontade de usufruir desta bela cidade e da minha família e dos amigos, a verdade é que me pareceram uma eternidade de cansaço, mesquinhices e luta para não me deixar afundar num mundo que descobri que desgosto bastante!

As obras…as obras são a realização material do que foi sonhado por alguém, e é impressionante como esse sonho em tão pouco tempo se transforma numa marcha penitente que a meio já nos arrependemos de ter iniciado algum dia. Todo um conjunto de ideias, desejos, ilusões e investimento pessoal são depositados nas mãos de alguém que acreditamos que sabe o que está a fazer e que no final, inevitavelmente, em vez de prazer, nos traz descontentamento e desilusão, e tudo o que um dia nos pareceu boa ideia se transforma numa tormenta pela qual não queríamos ter de passar.

Nem toda a gente pensará assim, mas pude comprovar mais uma vez nesta minha curta estadia por Lisboa, o quão penoso pode ser acompanhar obras de perto ou ter uma pessoa próxima a fazer obras na sua casa e caber-nos a nós o seu acompanhamento.
Como sabem, arranjei trabalho enquanto estou por Lisboa. Fiz acompanhamento de obras para a empresa que resolveu aproveitar os meus conhecimentos ao mesmo tempo que essa mesma empresa está a fazer obras na casa da minha mãe! Não o procurei, aconteceu. Na altura achei que era uma sorte bem-vinda... hoje fico feliz por finalmente ter acabado o trabalho que me predispus a fazer para eles durante um mês e meio de modo a juntar o dinheiro que preciso para seguir viagem.

Descobri que é um mundo mesquinho, em que em vez do profissionalismo e rigor o que fala mais alto são os valores do dinheiro. Anda meio mundo a enganar outro meio. Fazem-se orçamentos fora de escala que os clientes ingenuamente aceitam por acreditarem estar nas mãos de gente competente, e eu, no meio disto luto com a minha consciência que é obrigada a ceder aos mandos do “Patrão”, mas que ao mesmo tempo está a ver o cliente a ser ludibriado sem piedade pelo empreiteiro, que com discursos mansos passa por cima de questões, pedidos e chamadas de atenção.

O cliente implora, choraminga para que parem com a matança, que deixem de lhe sugar o papel verde que a custo guardou no banco e que agora vê voar a uma velocidade assustadora e imprevista. Não fica plenamente satisfeito com quase nada do que pediu para ser feito!

No início tudo era perfeito, tudo era possível, tudo fácil de realizar e tudo cheirava a satisfação. No decorrer de algum tempo o amargo do bolso vazio e das ilusões desfeitas começam a tomar forma. Tudo é mais complicado do que parecia, tudo demora mais do que o previsto por isto ou por aquilo, tudo exige paciência e nada pode ser como ele quer, porque afinal é leigo no assunto e eles é que são profissionais, eles é que sabem como e quando se faz.

E chega o dia em que finalmente tudo descamba…o Dono de obra explode de raiva acumulada, ouvem-se discussões tidas como irracionais e todos os pedaços de silicone que foram sendo postos para esconder imperfeições são arrancados à unha.
O vidro parte e só depois de limpar os destroços e sucumbir às evidências é que ele aceita a derrota como mais um golpe da vida que vai ter de conseguir encaixar.
A obra da minha mãe foi assim…as obras que acompanhei também não estiveram longe deste cenário…e hoje recordo a obra da minha própria casa que tanta dor de cabeça me deu…as obras do atelier onde trabalhei, com tantas disputas e saturação por parte dos clientes…

…Hoje estou no avião para Paris na companhia do Luis. Vou fazer as vindimas mais uma vez. Vou juntar mais uns trocos, mas desta vez a dor será apenas física, a cabeça, sei que essa estará leve e flutuante. Finalmente vou sair do suplício que me tirou toda a paz que tinha conseguido durante a viagem à América do Sul. Sinto-o como uma batalha que não venci, e que apesar de não ter sido derrotada levou-me à exaustão, ao cansaço físico e mental, ao conflito e acima de tudo á descoberta de que não quero viver assim, e que qualquer que seja o rumo que a minha vida siga, espero conseguir manter-me longe desta exaustão, porque a vida é para ser vivida, não é para aceitarmos ser espancados pelo trabalho e chegar ao fim com uns tostões no bolso que nos são entregues em tom de compensação pelos danos causados. Espero lembrar-me disto sempre, que estas lições são para guardar!

Bem, e com isto vai longo o texto e qualquer dia expulsam-me deste blog! Porque afinal, aqui pode-se viver ao sabor do vento!!

1 comentários:

Inês disse...

Deixa essa vida e vem mas é ter comigo outra vez :)